Embora tenha uma
orientação sexual heterossexual, o trabalho teórico da Dra. Berenice Bento tem
sido de grande importância para repensarmos a forma como encaramos o gênero.
Berenice tem mostrado como a homossexualidade tem sido repatologizada ou
patologizada indiretamente através do diagnóstico de “transtorno de identidade
de gênero”.
Muitos pais levam os filhos
aos psicólogos e psiquiatras para curar os comportamentos “afeminados”,
instaurar nos filhos, uma masculinidade vista como natural e biológica. Os
estudos queer, têm discutido que, a masculinidade não é um padrão natural
ligado ao homem, nem a feminilidade um padrão natural ligado a mulher. Antes
que se distorça, cabe explicar que, tanto homem como mulher, podem ser,
masculinos e femininos (na verdade somos ambos), ou seja, o que faz do homem
ser másculo ou da mulher ser feminina, são processos pedagógicos, que se
iniciam antes do nascimento.
Desde antes do nascimento, a declaração “é um menino”
ou “menina” inicia um processo de transformar esse corpo em macho ou fêmea. Das
brincadeiras, cores de roupa, etc, o gênero passa a ser um processo de inscrever
nesses corpos, padrões de comportamento, visto como naturais.
Mesmo entre os gays, há um grande preconceito contra
travestis, transexuais, lésbicas masculinizadas e homossexuais afeminados. A
reflexão de Berenice, embora tenha um objetivo específico de despatologizar a
transexualidade – sua luta incansável, possibilita pensar nesses sujeitos que
não se encaixam dentro das normas de naturalização e de normalidade,
humanizá-los.
Trata-se um convite para
revermos nosso modelo de naturalização da sexualidade, onde ser homem implica
em ser hetero e másculo. É pensar a construção de gênero, como possibilidade de
humanizar outros corpos, que não se encaixa dentro de padrões sociais.
Cabe ressaltar que, o
Conselho de Psicologia, despatologizou a homossexualidade formalmente em 1999
por intervenção de Luiz Mott, que pressionou por uma resolução, moção, e que
essa resolução se mantém até hoje, também pela intervenção da Dra. Berenice
Bento, o que pretendo colocar em artigo, escrito e psicografado, para quem quiser
ler.
Qual o problema de uma
heterossexual, que pensa um mundo sem gênero, lutar pela despatologização da
transexualidade? O problema é quando os homossexuais retificam a naturalidade
da sexualidade e do gênero, meio pelo qual os sujeitos que não atendem a
linearidade homem=macho e mulher=fêmea são anormalizados, desumanizados.
Pensar um mundo sem gênero é pensar a possibilidades
dos sujeitos se constituírem como macho ou fêmea, independente do sexo. É a
desnaturalização do gênero, coisa bem antiga, para quem estudou um pouco de
feminismo.
Também não vejo nenhum
problema num grupo se afirmar como “lésbicas políticas”. Acho paradoxal que
alguém que defenda tanto a afirmação da homossexualidade critique as lésbicas
por isso. Contraditório que, os que afirmam e brigam pela identidade, não
aceitem a afirmação do outro. Entendo o lugar de “lésbicas políticas” como uma
afirmação política, lugar de onde se fala. Como elas deveriam se identificar?
Como mulheres apenas? Então porque nós homossexuais, não nos afirmamos apenas
como homens?
A tentativa de imposição
de que todos se assumam homossexuais é uma violência que nega ao sujeito o
direito de afirmar seu sentimento, sua identidade e sua luta política. Lésbicas
políticas, homossexuais afeminados, lésbicas masculinizadas, trans, travestis,
assexuados, bichas negras, ou, diversas outras possibilidades de identificação,
não podem ser um problema para nós, que tivemos que enfrentar na pele, uma
imposição social para que nos constituíssemos como héteros – repetimos o mesmo
movimento da homofobia – exigir um modo de identificação e comportamento do
outro.
O que precisamos fazer é
dialogar com esses sujeitos e pensarmos como podemos construir uma luta
conjunta, uma vez que estamos todos no lugar de opressão. Se unir nas
diferença, e não apagá-las.
Quem venha também os
héteros unir sua voz a nossa luta, por uma sociedade mais justa.
Autor: Gilmaro Nogueira
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